Sunday, October 19, 2008

AOS VIRA CASACAS SEM ESPINHA SANGUESSUGAS MALÍGNAS DE PORTUGAL

DIAS CONTADOS


Alberto Gonçalves
Sociólogo albertog@netcabo.pt
Terça-feira, 14 de Outubro

DO RISO E DO ESQUECIMENTO

Documentos recentemente revelados sugerem que, em 1950, Milan Kundera denunciou à polícia comunista um compatriota que espiava para os EUA e que, graças à denúncia, passou 14 anos na prisão. A ser verdadeiro, o gesto, que Kundera nega, não se recomenda. Porém, talvez não justifique a indignação suscitada pelo episódio, inclusive em Portugal e inclusive em blogues da extrema-esquerda.

É estranho que os checos se lembrem agora de remoer as simpatias dos intelectuais face ao invasor soviético, em geral conhecidas, breves e depressa tolhidas pelo arrependimento e pela perseguição. É estranhíssimo que os portugueses necessitem de ir a Praga, mesmo que metaforicamente, para lamentar vergonhas assim. O arremedo totalitário do PREC, fértil em missionários e delatores, nunca nos envergonhou.

Muito pelo contrário. Por cá, um passado de serviços ao "gonçalvismo" praticamente garantiu a "intelectuais" e similares um futuro próspero e respeitabilidade social. De repente, lembro-me do poeta que, nos idos de 70, escrevinhava odes ao Companheiro Vasco ("Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/era morada e instrumento de alegria."), e que, de castigo, levou depois com fundação e casa voltada para a foz do Douro. Ou da eminência literária que pedia "sangue burguês" e acabou, para lá da fundação e da casa da praxe, inchado de honras oficiais e vaidade. Ou da ama-seca de Cunhal que, a pretexto dos opúsculos que rabisca, alcançou a típica comenda do Dez de Junho.

Mas quem procurar com jeitinho encontra igualmente vestígios do I Congresso de Escritores, em 1975, e do ardor religioso com que os seus membros receberam Vasco Gonçalves em carne, osso e divindade (a divindade disse-lhes: "Vós sereis uma força motora da revolução!"). E dos vultos da escrita, da pintura, da música, do teatro e do cinema nomeados para as Comissões Consultivas de um governo que ninguém elegera. E dos génios que, em manifestos públicos e golpes privados, conspiravam para destruir os colegas que exibiam desvios "burgueses" ou escassas credenciais "antifascistas".

No Portugal revolucionário, felizmente escorraçado e curto, os Kunderas caseiros não faziam queixa à polícia: os polícias eram eles. E se o regime subsequente os mudou de posto, a prazo não lhes retirou as respectivas regalias, a que adicionou medalhas, subsídios e mimos diversos. Foi sensato? Provavelmente: caso a democracia tivesse dedicado aos bufos do comunismo o rancor que dedicou aos seus equivalentes "salazaristas", dois terços da classe "intelectual" e "artística" actual não existiriam. Saber se sentiríamos a sua falta é outra questão.

Quarta-feira, 15 de Outubro

A MESA DO ORÇAMENTO

Houve farta galhofa com a apresentação, via pen drive, do Orçamento do Estado (OE), "tão leve" que, na opinião de Teixeira dos Santos, "até o Magalhães o abria". "Leve", afinal, era favor: a pen drive estava vazia. Mas isso não é o fundamental. Pensando melhor, nem o próprio OE tem grande interesse, pelo menos se comparado com as despesas específicas do Estado, desde há uns tempos em exibição (parcial) na Internet.

Ao contrário do OE, que além de leve é confuso e enganador, os contratos públicos descritos no site do Governo (www.base.gov.pt) esclarecem o exacto destino que o Estado, central e local, dá ao nosso dinheiro. A propósito do site, há que louvar a transparência. A propósito do destino, é preciso reconhecer que nem sempre é risonho.

Não é que me aborreçam os 300 euros atribuídos a um curso de kite surf (?) na Universidade de Lisboa. E não, não critico os 12 384,15 euros usados na limpeza do guarda-roupa da RTP, os 22 265 euros que o Ministério da Justiça despendeu em oito tapetes e fortuna que inúmeras autarquias dão em troca de concertos de Rui Veloso, Marco Paulo ou de uma banda chamada Da Weasel. Se não consigo imaginar préstimo para o kite surf, os trapos da RTP, os tapetes ou os Da Weasel, admito que outros lhes dêem serventia.

O que por exemplo me desconsola é ver os meus impostos torrados pela Câmara Municipal de Alijó na aquisição de perdizes (415 euros), talheres (1294) e um espectáculo da Orquestra Típica Nacional da Venezuela (2100). O que me dói é constatar que o gabinete do eng. Sócrates desperdiçou 6840 euros num bom tinto do Douro com "entidades estrangeiras", leia-se a pandilha de Hugo Chávez, que quase já nem sai de Portugal e não custa perceber a razão: proscrita no mundo civilizado, a pandilha (com orquestra) aqui é tratada a caça e vinho transmontanos.

Visto que os impostos também resultam do meu trabalho, pedia, se não for maçada, alguma contenção no tratamento. As virtudes da redistribuição terminam quando os beneficiários são malfeitores ou gente meramente desagradável. Claro que o eng. Sócrates e os autarcas de Alijó podem repastar com quem lhes apetece: apenas sugiro que paguem a conta do bolso deles. Se o dinheiro ficar no meu, as perdizes não se perdem e, acreditem, os próximos OE serão ainda mais leves.

Quinta-feira, 16 de Outubro

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